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Appbio: florescendo na Serra Catarinense a união que nutre e cura

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Nascida da união de famílias da agricultura familiar, a Associação de Produtores de Plantas Bioativas (Appbio) resgata saberes ancestrais

Publicação: 10/04/2025


Sede da Associação de Produtores de Plantas Bioativas | foto:  Fabiana Henkel


Em Presidente Getúlio, a Associação de Produtores de Plantas Bioativas (Appbio) nasce da união de famílias da agricultura familiar, resgatando saberes ancestrais e cultivando um futuro mais verde e saudável


Texto e fotos: Osnilda Lima/CaritasSC


O germinar de uma ideia coletiva – A segunda-feira se apresentava com chuva fina, um véu úmido cobria a paisagem. O ar fresco de outono parecia murmurar esperanças, enquanto na comunidade de São José, a 22 quilômetros do centro de Presidente Getúlio, Santa Catarina, um grupo de mulheres e homens, unidos por laços fortes e inabaláveis, pulsava em uníssono. Naquele dia, 5 casais estavam trabalhando. No total, 16 pessoas estão ativas no trabalho da associação. Desse esforço coletivo, artífices de um presente mais verde, se concretiza a Associação de Produtores de Plantas Bioativas (Appbio). O espaço, antes dedicado ao ensino fundamental, transformava-se em um centro de acolhimento do saber tradicional das famílias da agricultura familiar, abrangendo o uso de ervas medicinais, a produção de frutas desidratadas, aromáticas e condimentares.

Naquele dia chuvoso, pairava uma expectativa palpável, um brilho extra nos olhares prenunciando o evento vindouro. Em 10 de abril de 2025, a associação seria finalmente inaugurada, desabrochando como uma flor medicinal para receber amigos e apoiadores. Aquele momento representava o coroamento de 13 anos de trabalho, entre mobilizações, formações, articulações, reforma do espaço e a materialização de uma vida inteira dedicada a preservar e cultivar o conhecimento ancestral sobre ervas e frutos, mas que agora se soma no coletivo.

Mãos que modelam a terra e preparam o presente e o futuro – Sob o bailar constante das gotas, as mãos habilidosas, os olhares atentos e muita prosa, os homens modelavam a relva do pátio, enquanto o jardim, em promessa de cores e aromas, recebia os últimos toques. Ali, em suave sinfonia, ervas medicinais e flores vibrantes entrelaçavam-se. No aconchego do espaço, mãos femininas, com a delicadeza da natureza, preparavam os frutos da terra e as folhas medicinais para o abraço quente da desidratadora.


Parte das famílias que compõem a Associação de Produtores de Plantas Bioativas 


Semeando nutrição e saúde para a comunidade – O futuro reserva amplas perspectivas para a produção da Appbio. A expectativa é que parte das frutas desidratadas e das plantas alimentícias não convencionais (PANC) seja destinada à merenda escolar através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Essa iniciativa se alinha à legislação federal, que exige a aplicação de no mínimo 30% do orçamento anual do Pnae à aquisição direta de alimentos de pequenos produtores, incluindo comunidades tradicionais. Iniciativas como essa levam à mesa uma gama muito maior de nutrientes e uma possibilidade muito grande de enfrentar problemas relacionados à insegurança alimentar e nutricional.


Ervas e frutos preparados pela Associação de Produtores de Plantas Bioativas


Um universo de aplicações das plantas bioativas – As plantas bioativas, como as cultivadas pela associação, possuem diversas aplicações. Na fitoterapia, transformam-se em chás, cápsulas, garrafadas e unguentos. A aromaterapia explora seus óleos essenciais para fins terapêuticos. Além disso, seus extratos e óleos, como os de pimenta, mostram-se eficazes no controle de pragas e doenças. O crescente interesse por essas plantas se estende à alta gastronomia e à indústria, onde são utilizadas na produção de fungicidas, bactericidas, medicamentos, cosméticos, produtos de limpeza e aditivos.


Maria Hoepers, presidente da Appbio


Resgatando saberes, compartilhando conhecimento – Maria Hoepers, 66 anos, presidente da Appbio, e o esposo Rubens Djalma Cordeiro, 60 anos, da comunidade Caminho Papanduva, vizinha a São José, trabalham com cosméticos. Em uma caixa bonita, toda trabalhada na arte em decoupage, chegam as preciosidades: pomadas e sabonetes de suas produções. Ali continham sabonetes e pomadas para a pele, cabelo e higiene íntima. Tudo feito com produtos de seu quintal. “Eu não quero deixar morrer o conhecimento que recebemos de nossas avós e mães. A proposta deste espaço [Appbio] é ser também um lugar de partilha de conhecimentos, vamos oferecer formações também”, revela Maria.

Inicialmente, a pergunta que me guiava era 'o que eu vou ganhar com isso?'. Hoje, a questão central é 'o que eu posso contribuir?'. Essa simples inversão de pensamento muda tudo, abre um leque de possibilidades, um canal de troca onde doar e receber se complementam. Essa mudança de pergunta mudou meu entendimento. Em vez de me fixar naquilo que o outro não faz ou no que tem seu próprio tempo, pois compreendo que cada pessoa tem seu ritmo. Se em minha própria jornada sinto a capacidade de contribuir mais, eu o faço. Acredito que a ação transformadora reside em nós mesmos, no respeito ao outro”, conta a presidente da Appbio.


Ana Back: "O que me move é poder ajudar o próximo, porque o bem que fazemos retorna para nós, com certeza".


A cesta de cura e a alegria de ajudar – O olhar brilhante, chegou primeiro, nas mãos uma cesta cheia com diversos fitoterápicos, cápsulas, garrafadas e unguentos; nos lábios, um sorriso e a certeza de que a cesta pode ser a portadora de cura e bem-estar. Assim chegou Ana Back, 67, que com o esposo Nelson Back, 73, da comunidade Caminho Papanduva, trouxeram suas produções. Ela trabalhou muito tempo na Pastoral da Saúde e conta que o que aprendeu desse espaço hoje compartilha com os demais. “Sim, dá trabalho! Tem que plantar as ervas, cuidar... mas a recompensa é grande. Preparar tudo isso, fazer, é algo que me traz muita alegria, eu adoro! É uma verdadeira terapia para mim. E me sinto bem em poder ajudar outras pessoas, tantas que precisam e nem sempre têm condições. A gente oferece ajuda, explica como usar, elas experimentam e logo veem o resultado, o quanto faz bem. E o bonito é que essa ajuda é mútua. A convivência que se cria não fica só dentro de casa, a gente se conecta, conversa, faz amigos. Meu objetivo não é o enriquecimento financeiro. O que me move é poder ajudar o próximo, porque o bem que fazemos retorna para nós, com certeza!”, revela Ana.


Otília Stüpp (casaco vermelho): “O espaço da Appbio foi terapêutico, pois sempre ofereciam cursos e formações, então eu me esquecia da doença”.


Licores artesanais e a superação através do trabalho – Otília Stüpp, 62 anos, estava concentrada ao som da água que da torneira caía, lavando as folhas de capim-limão para serem cortadas e colocadas na desidratadora industrial, aquisição recente da Associação.

Ela e o seu esposo, José Junior Stüpp, 69 anos, produzem licores. Não demora nada e José se aproxima recitando as frutas que geram os licores: abacaxi, Jaboticaba, amora, butiá, coco-de-tucum, pitanga. Aliás, o que tem de frutas no quintal, são os licores que o casal, que reside na comunidade São José, produz. Conta que a produção é um ritual que gira em torno de 40 dias para ficar pronto. Claro, mais o tempo da produção e cultivo das frutas, no seu tempo de produção. Os licores são artesanais, feitos das próprias frutas que possuem em seu sítio, de cultivo próprio. Otília conta que a família passou por um momento de grande sofrimento, pois perdeu um filho de 33 anos pelo hantavírus. E fazer parte da Appbio ajudou muito o casal a sair da depressão, a aliviar o sofrimento da perda. O casal passou, em tempos diferentes, pela doença do câncer. “O espaço da Appbio foi terapêutico, pois sempre ofereciam cursos e formações, então eu me esquecia da doença”, conta Otília.


Leo Sehnem: "Fazer parte da Associação ajuda muito em minha saúde".


A dedicação aos chás e a conexão com a natureza – O casal Leo Sehnem, 60, e Ademir Sehnem, 58, de Serra dos Índios, fizeram questão de uma visita ao seu sítio. O jardim e o quintal, entrelaçados entre flores e ervas medicinais, fontes de água, obras de arte, bancos e balanços para meditação e oração, formam um santuário da família Sehnem. Leo conta com alegria e orgulho o fato de ser sócia fundadora da Appbio. “Sou sócia fundadora e produtora de capim-limão”, revela. Ah, o capim-limão que Otília estava lavando saiu do sítio de Leo e Ademir. Mas claro, no sítio há vários tipos, em menor escala, de plantas medicinais. Leo nos leva a um passeio pelos caminhos dos chás. Para chegar lá, passamos por uma porta simbólica e, em seguida, uma ponte. Assim se chega ao solo que oferece as plantas curativas.

Fabiana Henkel (50) e Airton Henkel (42), o casal residente em frente à associação, participou ativamente da criação da Appbio. Representantes da Cáritas Diocesana de Rio do Sul (SC) e apoiadores da iniciativa, eles também tiveram um papel fundamental na organização da obra e da infraestrutura da associação.


Uma janela; obra de arte no jardim da casa de Leo Sehnem e Ademir Sehnem


A colheita de esforços e a promessa de um presente e um futuro verde – Para se chegar à inauguração da Appbio, as famílias em seus sítios preparavam o solo para o cultivo das ervas e frutas, compromisso de uma vida inteira, de um saber tradicional, participaram de diversos cursos e oficinas formativas. Contudo, para organizar e reformar o espaço físico da associação, contaram com o apoio de diversos parceiros. Entre eles, a Cáritas Brasileira Regional Santa Catarina. Contudo, várias organizações da sociedade civil e o poder público têm apoiado a iniciativa.

Assim, mesmo sob o manto cinzento da chuva daquela segunda-feira, percebemos que a Appbio floresce, um jardim de esperança e sabor, nutrido pela união e pela sabedoria ancestral das famílias a partir do cultivo das plantas bioativas. Um novo tempo brota, carregado da poesia da terra e do aroma promissor de um presente verde e saudável.

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